Após comprar 20 mil 'bean bags' em 2021, PM de SP abre licitação em 2023 para adquirir mais 50 mil; munição matou são-paulino
Rafael Garcia foi morto por um disparo de 'bean bag' na cabeça em setembro após confronto entre a Polícia Militar e torcedores. Polícia Civil tenta identificar quem atirou na vítima. Nova munição recebeu críticas e governador Tarcísio de Freitas propôs que seu uso fosse revisado.
Após comprar 20 mil "bean bags" em 2021, a Polícia Militar (PM) de São Paulo abriu licitação em 2023 para adquirir mais 50 mil unidades desse tipo de munição. Apesar de ser considerada de "menor potencial ofensivo" para conter distúrbios urbanos, a "bean bag" fez sua primeira vítima fatal em setembro no estado.
As informações sobre os interesses da corporação em ter mais "bean bags" estão publicadas no Diário Oficial do Estado, conforme levantamento feito pela TV Globo e pelo g1. E acabaram confirmadas depois pela PM quando foi procurada pela reportagem.
O são-paulino Rafael dos Santos Tercilio Garcia, 32 anos, foi morto por um disparo de "bean bag" contra sua cabeça durante confronto entre torcedores e policiais militares, no último dia 24 do mês passado. A confusão ocorreu do lado de fora do Estádio do Morumbi, na Zona Sul da capital paulista. Naquela ocasião, a torcida do SPFC comemorava o título da Copa do Brasil sobre o Flamengo.
A PM admitiu ter usado "bean bags", balas de borracha e bombas de efeito moral para conter os são-paulinos que estariam cometendo atos de violência. Rafael tinha deficiência auditiva.
Departamento de homicídios de São Paulo confirmou que bean bag causou morte do torcedor do São Paulo
A principal suspeita da Polícia Civil, que investiga o caso como homicídio durante tumulto, é a de que o artefato tenha sido disparado por algum policial militar. A munição é de uso restrito da Polícia Militar paulista.
Outra hipótese, mais remota, é de que a "bean bag" foi atirada por alguma pessoa que não fosse policial. Laudos periciais, depoimentos de testemunhas, e análises de câmeras de segurança que gravaram o conflito vão ajudar a investigação a saber se a munição é mesmo da PM e se um agente da corporação foi o responsável pelo tiro.
A morte de Rafael abriu o debate entre especialistas em segurança pública e torcedores e familiares da vítima dos riscos das "bean bags". Eles criticam o uso da nova munição, principalmente quando o protocolo de segurança não é obedecido. Peritos disseram que o disparo que matou o torcedor foi a curta distância, a menos dos 6 metros estabelecidos pelo fabricante para não causar maiores danos a quem for atingido.
Além do Brasil, há casos de mortes de pessoas atingidas por "bean bags" na Colômbia e na Austrália. Segundo peritos, o são-paulino foi morreu por um artefato disparado por "arma de fogo". Uma "bean bag" foi achada presa à nuca dele. Seu boné foi perfurado pelo objeto na parte detrás. A causa da morte foi "traumatismo cranioencefálico" devido ao impacto. O objeto que o matou tem cerca de 5 centímetros.
Boné que teria sido usado por Rafael Garcia tem furo na parte de trás — Foto: Reprodução
O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), declarou nesta semana que é preciso reanalisar, revisar e ajustar os protocolos de segurança do uso de "bean bag" pela Polícia Militar.
Sugeriu até que a corporação verifique os "prós e contras" da nova munição em comparação com as balas de borracha, que são usadas há anos. Apesar disso, há relatos de lesões graves causadas pelo elastômero (nome técnico da bala de borracha), principalmente cegando pessoas quando disparado nos olhos.
Por meio de nota, a Polícia Militar informou que "adota mecanismos de análise constante dos procedimentos operacionais". Apesar disso, a corporação não suspenderá temporariamente o uso das "bean bags".
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A "bean bag" foi adquirida pela PM para substituir gradativamente a bala de borracha. Os dois tipos de munições são disparados por policiais militares treinados usando espingardas calibre 12.
A PM alega que a "bean bag" é mais segura do que a bala de borracha, que apresentou falhas de trajetória em testes feitos. A Condor S/A, empresa brasileira que produz as balas de borracha nega eventuais problemas.
Fantástico explica o que é a bean bag, a munição que matou um torcedor do São Paulo
"Beans bags" ("sacos de feijão", numa tradução literal do inglês para o português) são na prática pequenas esferas de chumbo envoltas por plástico que ficam dentro de sacos de tecido sintético.
As 20 mil "bean bags" foram adquiridas em 2021 por mais de R$ 620 mil da fabricante americana Safariland, cuja representante comercial no Brasil é a Police Survival. Elas tem tiras soltas nas pontas. O modelo que atingiu a cabeça de Rafael é parecido com esse.
As outras 50 mil unidades do mesmo tipo de munição poderão vir da CSI EUA, também dos Estados Unidos. A empresa ganhou a licitação internacional aberta em junho deste ano propondo vender suas "bean bags" por mais de R$ 1,3 milhão para a PM de São Paulo. Ela produz um outro modelo, quase do mesmo tamanho da concorrente, mas tem a ponta unificada, como a boca de um sanito. Três munições, com essas características, foram apreendidas pela polícia do lado de fora do Morumbi.
A Polícia Militar informa, no entanto, que o processo de licitação com a CSI EUA ainda está em andamento e a compra não foi concretizada porque depende da realização de algumas etapas nesse processo.
"A empresa citada pela reportagem foi aprovada na etapa de apresentação de amostras para a aquisição", informa a corporação por meio de nota. "O contrato será finalizado só após a apresentação de todos os seis itens. Somente ao término do certame, haverá a a entrega de 50 mil beans bags."
Vilma Santos com o filho Rafael Garcia. São-paulino foi morto com um disparo de 'bean bag'. Munição é usada pela PM de SP — Foto: Divulgação/Arquivo pessoal
Os advogados que defendem os interesses dos parentes do são-paulino morto entraram nesta semana com uma ação de indenização por dano moral na Justiça paulista para pedir que o governo estadual pague R$ 1 milhão à mãe e ao filho da vítima. Ainda não há decisão judicial a respeito.
O entendimento deles é de que a administração pública tem que ser responsabilizada pela ação da PM no confronto que deixou Rafael morto.
Rafael Garcia tinha 32 anos e possuía deficiência auditiva — Foto: Divulgação/Arquivo pessoal
Un — Foto: g1 Design
Fonte https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2023/10/09/apos-comprar-20-mil-bean-bags-em-2021-pm-de-sp-abre-licitacao-em-2023-para-adquirir-mais-50-mil-municao-matou-sao-paulino.ghtml
